Décadas de fraudes e descuidos: INSS enfrenta novo escândalo e reacende debate sobre fragilidade na Previdência Social

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), responsável por administrar aposentadorias, pensões e benefícios sociais no Brasil, volta ao centro de um escândalo que expõe antigas fragilidades no sistema previdenciário. Alvo de investigações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), o órgão enfrenta denúncias de descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas — um episódio que, embora contemporâneo, faz eco a décadas de irregularidades.
Desde os anos 1980, o INSS convive com esquemas de corrupção que abalaram a confiança dos segurados. Um dos casos mais emblemáticos foi o da chamada “Máfia da Previdência”, liderada pela advogada Jorgina de Freitas, que coordenou um esquema de falsificação de ações judiciais na Baixada Fluminense. A rede envolvia advogados, peritos e magistrados e resultou em prejuízos estimados em mais de R$ 1 bilhão aos cofres públicos — valor que, segundo estimativas posteriores, pode ter ultrapassado R$ 2 bilhões.
Apesar de avanços tecnológicos e de um maior rigor nas auditorias, a estrutura previdenciária continuou suscetível a fraudes. Se no passado o golpe ocorria dentro dos tribunais, hoje ele se manifesta em convênios administrativos que permitem descontos automáticos em benefícios. O mecanismo, originalmente criado para facilitar o acesso dos segurados a serviços, acabou se transformando em brecha para irregularidades.
Fraude contemporânea e nova CPMI
A operação Sem Desconto, deflagrada em abril deste ano pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União (CGU), revelou um esquema de mais de R$ 6 bilhões em descontos ilegais. O caso resultou na queda do então ministro da Previdência, Carlos Lupi, e do ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e motivou a criação da CPMI do INSS no Congresso Nacional.
A comissão investiga se houve envolvimento de dirigentes do instituto e conivência de gestores públicos. Entre os nomes mais citados está o de Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”, apontado como articulador em bastidores de associações suspeitas de crescimento patrimonial desproporcional. Segundo o relator da CPMI, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), há indícios de movimentações financeiras irregulares e relações diretas com servidores do órgão.
Em depoimento, o “Careca” negou qualquer participação em fraudes, mas teve os sigilos fiscal e bancário quebrados por decisão da comissão, que segue analisando repasses e contratos.
Impacto sobre aposentados e reação do governo
Enquanto as investigações avançam, milhares de aposentados relatam ter descoberto descontos não autorizados ao consultar seus extratos de pagamento. Muitos afirmam jamais ter se filiado às entidades responsáveis pelas cobranças. O governo criou canais emergenciais para contestação e devolução de valores, incluindo atendimento presencial em agências dos Correios.
Segundo dados oficiais, o governo federal já autorizou o ressarcimento de R$ 2,1 bilhões a mais de 3 milhões de beneficiários atingidos. Paralelamente, a Advocacia-Geral da União (AGU) ajuizou ações civis para bloqueio de bens e recuperação de recursos desviados.
Desafio estrutural e legado histórico
Para especialistas, o caso atual reforça uma realidade que se repete há décadas: o INSS ainda carece de autonomia técnica e sistemas de controle modernos. Falhas em processos de autenticação, ausência de auditorias independentes e ingerências políticas fragilizam o órgão e facilitam o avanço de redes fraudulentas.
A aposta, segundo analistas, deve ser na biometria e na assinatura eletrônica avançada, que poderiam tornar mais seguros os processos de autorização de descontos e concessão de benefícios. No entanto, a implementação plena dessas tecnologias ainda enfrenta entraves operacionais e orçamentários.
Mais de 40 anos após a “Máfia da Previdência”, o cenário mostra que as fraudes no INSS continuam evoluindo — e que, enquanto o sistema não for reformado estruturalmente, a promessa de segurança ao trabalhador brasileiro seguirá sob risco.



